Cidade petrificada no Piahui
Sete-Cidades.
Na provincia do Piahui, ao sul da vila de Piracuruca, na distancia de
5 leguas, á vista da fazenda do Bom-Jezus, em uma grande planicie,
axa-se o lugar denominado Sete-Cidades, que os moradores adjacentes
têem por encantado, e d’elle contam muitas versões, que não
passam de supertições, e por isso deixo de mencional-as.
Não há ali mais do que uma
cidade petrificada ou construida por um povo
antiquissimo e civilizado, de que já
não temos mais noticia, existindo sómente aquelles vestigios.
Tem n’ella sete praças, e é
claro, que dali lhe venha o nome de Sete-Cidades, confundindo-se com
o das sete praças.
Oitenta e cinco leguas não me
obstaram a ir vizitar aquelle lugar, onde demorei-me trez dias. A sua
vista pitoresca inspirou-me dezejo de maior demora, mas... a cidade
não fala!... não se move!... mesmo assim faz sismar!
Uma muralha, que volta as
portas para o centro, fazendo a entrada por léste, para a cidade,
por onde sómente pode passar um carro de cada vez, cérca aquelle
lugar, que póde ter de circunferencia uma legua mais ou menos.
Aquella muralha, que póde ter
6 metros de altura e 4 de largura, mais ou menos, é para léste toda
coberta de peças de artilheria, juntas umas ás outras e pregadas na
muralha, de fórma que ninguem poderia tirar dali sem precizar muita
arte. O comprimento das peças mede a largura da muralha.
Para o lado do norte oculta-se
n’um bosque, que vem de longe ali esbarrar.
Para os outros dous lados, tem um certo numero de torres, que fazem lembrar um lugar de guarnição; visto que todo o seu aspecto é de uma praça forte.
Suas ruas sam bem alinhadas;
as cazas sam todas ao geito de tacaniça, e separadas umas das
outras, por onde póde passar um omem, e todas têem uns regos, que
fingem o telhado. As pedras das cazas e torres sam impenetraveis,
mais ou menos brancas, por serem d’uma especie de pedra de amolar.
Bem diferentes sam as pedras da muralha, por serem de uma tempera
mais dura. Bem parece, que o fogo ali teve sua influencia, pois se
diferençam camadas, dando aparencia de materia fundida.
Mais diferentes ainda sam as
pedras das peças, porque se assimilhão na côr ao ferro velho
enferrujado, e si não ouvésse aquella diferença de côres,
dir-se-ia, que muralhas e peças aviam sido fundidas de uma vez.
Quando anteriormente vizitei
este lugar, as peças estavam xeias de uma areia alvissima, breada em
alguma amalgama, mas que facilmente se dezentupiam, como fiz com uma
até o meio.
Um arco de abobada guia o
absorto vizitante ao sahir da primeira para outra praça, como todas
as mais, coberta de arvoredos.
A planicie, onde está sentada
a cidade, é cortada ao lado de léste, a qual se póde xamar de
terra talhada. Este talhado fica distante da muralha cerca de 20
metros, e outros 20 podem medir sua decida um tanto rapida.
Da primeira e maior praça,
que ali existe, rebenta um fio d’agua, convertendo-se em um
corrego, a pouca distancia, o qual vae-se engrossando, e á proporção
que se prolonga, sae por um pequeno boeiro feito na muralha, e, a
poucas braças de distancia, dezaparece de todo, para mais tarde
renacer ao pé do talhado com mais força, afim de refrescar uma
grande quantidade de fruteiras, taes como a manga e a jaca, que,
vegetando em suas margens, compõe um magnifico panorama ao
contemplar-se da cidade.
Sae dali o vizitante
pensativo: olha para traz, vê as cupulas do elevado torreão; depois
de caminhar uma legua, surprende-lhe: aqui uma pequena rua, ali seis,
oito cazas, depois mais duas e trez... similhante aos restos de um
grande lugar, e á noite luta em sonhos com aquelle portento!
Jacome Avelino.
Constituição (gazeta
publicada na capital do Ceará) de 1886.
De: ARARIPE, Tristão de Alencar. Cidades
petrificadas e inscripções lapidares no Brazil. Revista do IHGB,
tomo L, parte I, 1887, pp. 226-227.
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